Estava, desde o início, nos manuais de “conflitos irregulares” dos
EUA. Foi por petróleo, é claro! Mas também por água, estatais rentáveis e
estratégicas, a riqueza da Amazônia, a aproximação com Rússia e China
Por José Álvaro de Lima Cardoso
Circula um vídeo na internet que reforça o que já se sabia há alguns
anos: estruturas do governo dos Estados Unidos auxiliaram os
responsáveis pela Lava Jato no fornecimento de informações que
comprometeram políticos, funcionários públicos, e executivos de grandes
empresas brasileiras. A troca de informações que possibilitou a montagem
dos inquéritos foi realizada informalmente, sem a autorização do
Ministério da Justiça, como prevê a Lei. Essas informações sobre a
parceria entre os procuradores e os órgãos de justiça e informações dos
EUA foram reveladas, no vídeo mencionado, por Kenneth Blanco, em julho
de 2017, na ocasião vice procurador geral adjunto do Departamento de
Justiça dos Estados Unidos (DOJ). O vice procurador ao fazer o
comentário, exaltava as supostas vantagens do esquema, por processar os
casos de maneira mais rápida e “efetiva”.
Esse tipo de relação pode ser considerado por alguns procuradores um
método muito eficiente e ágil. Mas, ao que se sabe, é absolutamente
ilegal. Cooperação internacional neste nível, entre procuradores
brasileiros com Departamento de Justiça, polícia federal, e outros
organismos de país estrangeiro, baseados apenas na “confiança”, sem
seguir os procedimentos previstos pela legislação, obviamente é uma
flagrante ilegalidade, para a qual as estruturas do golpe procuram dar
uma aparência de naturalidade.
Como vem denunciando, pelo menos desde 2016, o jornalista brasileiro
Pepe Escobar (especialista em análise geopolítica), o Brasil foi vítima
da chamada Guerra Híbrida, guerra Não-Convencional, que se vale de
instrumentos linguísticos e simbólicos, com metodologia altamente
sofisticada. Esse tipo de método utiliza “aliados internos” para
perpetração do golpe, no Judiciário, entre as empresas, no Parlamento e
outras estruturas do Estado. Essa metodologia de guerra, desenvolvida
principalmente pelos EUA, tem como objetivo central garantir os
interesses do império e destruir projetos que, de uma forma ou outra,
não se coadunem com os seus interesses. Segundo Escobar, os países que
compõem o BRICS (Brasil Rússia, Índia, China e África do Sul) foram os
primeiros alvos da Guerra Híbrida, por uma série de razões,
principalmente de caráter geopolítico.
A Guerra Híbrida visa assegurar a perpetuação da hegemonia econômica,
política e militar dos EUA. Esse tipo de guerra surgiu em 2010, a partir
do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais do
Exército dos EUA. Diz o manual: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse
tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares,
econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando
forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados
Unidos. […]. Num futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão
predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em
inglês) ” (no artigo “O Brasil no epicentro da Guerra Híbrida, Escobar, Outras Palavras, 2016”).
O golpe no Brasil foi por petróleo, claro, porque esta é uma obsessão e
uma necessidade dos EUA (e o pré-sal contém recursos que podem alcançar
R$ 30 trilhões). Mas também por água, por estatais rentáveis e
estratégicas, pela riqueza da Amazônia, pela aproximação do Brasil de
Rússia e China, pela fundação do Banco de Desenvolvimento do BRICS, e
assim por diante. Um dos elementos decisivos do envolvimento dos EUA no
golpe foi a política definida nos BRICS, de substituição gradativa do
dólar como moeda de referência nas transações internacionais. A
hegemonia mundial dos EUA, que se encontra estremecida, está diretamente
relacionada, em boa parte, ao fato de poder emitir dólar à vontade e
esta ser a moeda utilizada no grosso do comércio internacional.
Outra explicação crucial do envolvimento dos EUA no golpe, como apontou o
historiador Moniz Bandeira, é a tentativa de impedir que se crie outra
potência no continente americano. Uma potência na América do Sul e
ligada comercial e militarmente à China e à Rússia é tudo o que os
Estados Unidos não querem. Não por acaso, dentre as dezenas de ações
destrutivas dos golpistas, uma das primeiras foi prender o Almirante
Othon da Silva, coordenador do projeto nuclear do Brasil, e alvejar o
projeto de construção do submarino a propulsão nuclear, fundamental para
a guarda e segurança da chamada Amazônia Azul.
Em 2013 o jornalista norte-americano Glenn Greenwald já havia denunciado
que o Brasil era o grande alvo das ações de espionagem dos Estados
Unidos. Segundo o jornalista, o governo estadunidense espionou inclusive
mensagens de e-mails da presidenta Dilma Rousseff e de seus assessores
mais próximos, além da Petrobrás. O objetivo da Agência de Segurança
Nacional dos EUA (NSA, na sigla em inglês), segundo Greenwald, era
buscar detalhes da comunicação da presidenta com sua equipe. Segundo o
jornalista, naquela ocasião, o Brasil era o principal alvo dos Estados
Unidos.
O que está em jogo no golpe é muito mais que petróleo. Os Estados Unidos
não têm interesse em um desenvolvimento autônomo e soberano do Brasil,
pelo potencial que tem o país de rivalizar com os interesses
estratégicos dos EUA na Região. Processos como Unasul e CELAC
confrontavam os EUA no hemisfério, e novas instituições, como o Banco do
BRICS e o Acordo Contingente de Reservas do BRICS ajudavam a construir
alternativas contra hegemônicas ao Banco Mundial e o FMI, instituições
sobre as quais os EUA têm um controle quase absoluto.
A ONU prevê que, no ritmo atual, as reservas hídricas do globo reduzirão
40% até 2030, o que poderá provocar uma “guerra pela água” no mundo. Os
EUA e a Europa enfrentam grave problema de falta de água, a maioria dos
rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados. É neste contexto
que tem também que ser entendido o golpe de Estado no Brasil. Tudo
indica que um dos interesses do golpe é se apropriar do Aquífero
Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo. O Aquífero que
está localizado na parte sul da América do Sul (Brasil, Argentina,
Uruguai e Paraguai) coloca a Região como detentora de 47% das reservas
superficiais e subterrâneas de água do mundo. Os EUA sabem que não há
nação que consiga manter-se dominante sem água potável em abundância,
por isso seu interesse em intensificar o domínio político e militar na
região, além do acesso à água existente em abundância no Canadá,
garantida por acordos como o do NAFTA (Acordo de Livre Comércio da
América do Norte, entre EUA, Canadá e México).
A partir de 2013, quando o golpe intensificou suas articulações para a
perpetração do golpe no Brasil, o tabuleiro conjuntural se tornou
bastante mais complexo e perigoso. Mas é certo que se quisermos, em
algum momento, recuperar a democracia e a condição do Brasil de país
soberano, teremos que procurar entender detalhadamente o quadro
conjuntural, agir com destemor, e ter muita paciência histórica.
- José Álvaro de Lima Cardoso é economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de
Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em
Santa Catarina / Movimento Brasil Livre e Soberano
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